Hoje andei na chuva

Acredito que uma pessoa nunca pensou realmente a sério na vida que leva se nunca caminhou sem rumo pela chuva. É algo como permitir que os pensamentos deslizem em forma de água por todo o corpo, algo como deixar que os pensamentos menos importantes encontrem o chão e fiquem para trás pelo caminho; e transformar os pensamentos essenciais, as gotas que tocam a pele e permanecem por mais tempo, numa bela gripe.

Muitas pessoas passaram por mim, resolvi cumprimentá-las porque por um instante pareceu inapropriado simplesmente ignorá-las. Algumas apenas me ignoraram, outras me olharam com aspecto curioso como se achassem que sou louca, outras ainda me lançaram um olhar estranho, como se tentassem me reconhecer e duas senhoras devolveram o “boa tarde” com um sorriso. Desisti de cumprimentar as pessoas. Parei em frente a uma faixa de pedestre e esperei durante dois minutos e trinta e cinco segundos até que alguém parasse o carro e me deixasse atravessar a rua.

Muitas pessoas passaram por mim, a maioria continuou ignorando a minha existência assim que fiquei para trás, algumas encaravam minhas tatuagens com olhares ora interessados, ora preconceituosos, ora totalmente neutros porque era apenas algo que estava em seu campo de visão.

Muitas pessoas passaram por mim, e fiquei imaginando quantas delas pensavam em seus cartões de créditos estourados, na conta de luz atrasada, no filho que está usando drogas, na mãe que faz quimioterapia todos os dias e aguarda um transplante de rim, no fim das férias que está próximo, na praia do fim de semana, na vontade de segurar bem forte a mão daquela pessoa e dizer que a ama, muito embora não tenha feito isso há muito tempo.

Sinto uma vontade louca de dizer pra minha mãe que eu a amo. Engraçado que toda vez que a vejo sinto o mesmo por parte dela, então por que quase nunca dizemos? O mais estranho é que senti uma vontade absurda de parar a primeira pessoa que passasse por mim na rua e conversar durante horas com ela sobre isso e sobre muitas outras coisas que não consigo conversar com as pessoas que amo.

Tem alguma coisa de errado comigo, mas não consigo descobrir o que é…

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Ela

As ondas dos seus cabelos caíram sobre os peitos pequenos que preenchiam muito pouco do vestido. Ela fala sobre algo enquanto olha através da janela. O castanho dos seus olhos parece desbotar em contato com a luz. Ela me olha subitamente e joga a cabeça pra trás com um sorrisinho nos lábios, com o pescoço esticado e a boca semiaberta, ela se mantém deitada. Os pelos pubianos aparecem e seus dedos o tocam suavemente. O tecido do vestido comprime seus peitos e posso ver que os mamilos estão enrijecidos. Ela ainda está falando algo. Ela abre as pernas e seus dedos desaparecem entre elas, devagar. Não consigo ouvi-la. Sinto prazer em todo globo ocular. Ela escorrega devagar e deita-se de bruços. A carne do seu quadril fica a mostra movimentando-se intensamente. Tiro a roupa, dobro e coloco sobre a cadeira. Ela levanta os olhos em minha direção e sorri maliciosamente. Me aproximo das suas costas. Toco seu pescoço com a ponta dos dedos, afasto seus cabelos e cravo os dentes em sua pele. Ela estremece, ela geme, ela comprime seu quadril contra mim. Ela gosta da dor. Deslizo minha mão esquerda na direção do seu cabelo e agarro sua nuca. Ela se vira e lambe meus lábios de uma maneira displicente e excitante. Seu hálito e seu gosto são agora como um universo de algodão no qual estou com o rosto completamente submerso. É difícil respirar. Nossos corpos estão misturados de uma maneira confusa. Seus cabelos sorriem pra mim. O ar parece se fundir à sua pele e nesse momento é tudo o que preciso. Nós dizemos coisas inacreditáveis. Nós sentimos um tesão absurdo. Nós nos permitimos extravasar um ao outro. Não é possível definir onde começa sua pele e onde termina a minha. Nossos braços segurando nós mesmos.

De repente tudo se torna suspiros, estamos deitados, um ao lado do outro, olhando para o teto. Seus pés balançando e fazendo desenhos de coração no ar. Seus dentes mordendo o lábio inferior e seu olhar me sorrindo. Sorrio de volta.

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Escrevi um texto que não tem sentido algum, então darei a ele o nome de calopsita.

Acontece algo muito estranho comigo quando tenho insônia. Deito na cama, fico de bruços e com uma das mãos segurando o pescoço, me enrolo da cabeça aos pés em uma coberta felpuda que tem o desenho de uma garota vestida de cor de rosa que está tentando abraçar o céu. Então no momento em que aparentemente começo a adormecer, um som parecido com panela de pressão que teve seu pino levantado antes da hora, começa a ecoar na minha cabeça. A princípio tento me convencer de que é apenas o inicio do processo de relaxamento e diminuição dos pensamentos coerentes que antecede o sono, porém o som continua. Fico estranha, começo a calcular que, de 0 a 10, meu nível de loucura ainda se encontra numa posição não muito alarmante, e tento me concentrar em imaginar que estou voando sobre uma plantação de girassóis que na verdade são coloridos numa mescla de violeta e azul. Converso com algumas montanhas que falam compulsivamente sobre poses eróticas em formato de pessoas e têm o hálito tão ruim que lembra de longe enxofre. Mas toda essa imaginação fica estranha demais quando começa a chover, levanto os olhos para o céu, abro bem a boca para tomar água da chuva e começo a cuspir vespas coloridas que vão se agrupando e formando um arco íris infinito que nada mais é que uma extensa pista de skate. Pulo da cama. Mas não estou fora da cama, estou na verdade com a bunda colada ao teto, olhando pra baixo, enquanto minha versão sonambula levanta da cama e planta bananeira na parede do quarto. Tudo acontece em câmera lenta como se eu fizesse parte de um filme. Nesse filme, me olho no espelho e abraço minha imagem como se fosse um enorme bebê, ele tem a cabeça duas vezes maior que a minha e um corpo minúsculo, mas são os olhos que me assustam. No centro da minha íris vai surgindo um letreiro colorido que pisca sem parar, com letras vermelhas quem dizem: – nossos valores estão em conflito – então eu digo que quero comprar uma camiseta do superman e a luz fica verde, eu digo que não gosto de verde porque me lembra do palmeiras  e a luz simplesmente se apaga. Imagino com quantas garotas você transou nos últimos dias. Para quantas garotas você proporcionou o mesmo nível de orgasmo que me fez ser quem eu sou hoje. Sei que muitas delas são lindas e possuem o padrão de personalidade que eu nunca tive e que você sempre valorizou. Então me sinto como se estivesse entre todas essas garotas, segurando uma placa com letras pretas e fundo branco – me escolha – bem na altura do peito. Mas você levanta uma outra placa, com letras brancas e fundo preto, ela diz: – Já se passaram dez anos, você precisa esquecer -, então eu escrevo na sola dos pés – te amo nada babaca – e volto a dormir com a sensação de que esta tudo bem. Me enrolo na coberta e abraço a menina que está tentando abraçar o céu.

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Mais um clichê

Essas pequenas coisas que acontecem diante de nós, esses pequenos fatos tão íntimos e singelos, mas que, quando conseguimos nos abster da frenética correria do dia a dia por alguns segundos que seja; desperta em nós algo grandiosamente assustador: a percepção de que nem tudo nessa vida é desespero ou dor.  “A vida é uma existência curta e interminável” – frase que sempre considerei boa o bastante para, futuramente, estampar em uma camiseta ou fazer uma tatuagem, e quem sabe, talvez, considera-la ao pé da letra. Lá vou eu mais uma vez escrever sobre assuntos clichês, mas se o clichê nada mais é que um molde usado várias vezes para “criar” a mesma coisa ou ideia, não podemos ignorar a sua relevância, uma vez que, embora o primeiro impulso seja considerar o clichê uma repetição, a essência de cada repetição não pode ser apenas uma mera cópia, existe algo de singular no clichê. Na maioria das vezes é uma maneira fácil de tentar dizer o quanto estamos entendendo algo sobre a existência. Mas para tentarmos começar a compreender algo sobre a existência, é necessário antes admitir o quanto não temos a mínima ideia do porquê de estarmos aqui, existindo. Vislumbrar as pequenas coisas que acontecem diante de nós, compreendê-las em sua profundidade e magnitude, ao permitir a harmonia com o medo de que sejam apenas o que são: pequenas coisas. Mas pra quê simplicidade quando podemos ter toda a evolução humana em uma caixinha tecnológica bem fácil de manusear e de fácil transporte? Pacotes acessíveis de estilo de vida – só precisa vender sua essência para comprar abaixo do preço. Boas ideias, boa música, boa aparência, boa vida, tudo bem descrito e impresso em um complexo status de rede social. Marionetes sociais que gostam de brincar de cult, como uma criança que aos poucos aprende sobre a realidade do mundo, mas demora pra entender que a realidade é bem parecida com a intermitência de um arco-íris. Quando foi que começamos a restringir aquilo que enxergamos sobre o mundo? Não pode ter sido quando tivemos a ilusão de que já vimos tudo nessa vida, porque mesmo que já tivéssemos visto tudo, deveríamos querer olhar de novo só pra encontrar novos detalhes, novas perspectivas. A vida só está começando, ela começa todos os dias, fazendo com que todos os dias sejam pequenas vidas e não sei se isso é bom ou bonito, mas deveria ser essencial, e não desejo mais nada, além disso, para tentar começar a compreender algo.

Ouvi dizer que em tempos de outrora, o amor era medido não pela capacidade de exaltação mutua à egolatria; mas pela essência puramente simples de se permitir ser, apesar de. Mas como é mesmo que se diz “eu te amo” hoje em dia?

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Amnésia

É pedir demais à minha memória que entenda que não posso esquecer você? Vou comprar spray colorido e pichar nos muros referências de nós dois. Escrever nossas iniciais dentro de um coraçãozinho pontilhado na árvore da rua da sua casa e depois jogar migalhas de pão pra não esquecer o caminho. Vou mandar anunciar no rádio todas as músicas que você cantou pra mim. Construir um outdoor de frente pra minha janela com uma foto do seu sorriso e do seu dente quebrado. Grafitar no teto do meu quarto todas as datas importantes que eu não lembro que é pra eu decorar toda vez que tiver insônia. Fazer uma tatuagem no joelho pra nunca esquecer como doeu ter que me lembrar de você. Vou mandar fazer um quebra cabeça com os desenhos de todas as suas tatuagens e monta-lo semanalmente. Desenhar um mapa com todos os padrões irregulares do seu corpo, porque eu ainda não esqueci os caminhos, mas já não me lembro dos detalhes. Cada pedacinho seu que eu preciso guardar e não esquecer, dedos no cabelo, beijo na testa, nariz com nariz, respiração na órbita dos ouvidos, puxão de cabelo, e o seu olhar, eu preciso fazer uma moldura dele na minha memória, porque ele foi a arte mais linda que eu já vi!

 Será pedir demais à minha memória que sofra uma amnésia?

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